A OSMS estudou como as comunidades de fabricantes de diferentes países responderam individualmente à crise. Analisamos como elas resolveram problemas especificamente relacionados às suas características geográficas, de sua sociedade e outros fatores. Apresentamos as conclusões que resultaram dessa análise na forma de estudos de caso nacionais individuais, de forma gratuita, cuja precisão de dados foi analisada pelas respectivas comunidades nacionais de fabricantes. Esses estudos de casos servem como um guia para grupos de fabricantes em países que queiram criar ou melhorar sua coordenação em âmbito nacional.
Histórico
O Brasil conta com uma população de 209 milhões de pessoas. Como país, já enfrentou problemas específicos associados a sua infraestrutura em desenvolvimento durante a pandemia do coronavírus. As altas concentrações de favelas nas cidades brasileiras apresentam uma ameaça diferente a seus habitantes, em comparação com bairros de cidades em países mais ricos.
Muitos cidadãos nessas comunidades carecem de acesso a necessidades básicas, como água potável, suprimento suficente de alimentos e canais adequados de comunicação, com frequente falta de acesso a internet. Muitas pessoas pobres no Brasil são trabalhadores informais sem acesso a contas bancárias, pagamento de auxílio emergencial e outras estruturas de suporte, o que torna a questão da infraestrutura um entrave ainda maior. Os pagamentos de auxílio emergencial feitos pelo governo brasileiro foram esparsos e apresentaram atrasos na distribuição; eles totalizavam cerca de $100 por pessoa, para aqueles que conseguiram recebê-los.
Além disso, o governo federal brasileiro não tem cooperado no apoio aos confinamentos e iniciativas nacionais de prevenção à disseminação do coronavírus, muitas vezes disseminando informações falsas sobre o próprio vírus.
Por exemplo, o ministro da saúde foi substituído sucessivas vezes desde o início da pandemia, e Bolsonaro, o presidente do Brasil, disse que a COVID-19 “era só uma gripinha” em uma declaração em cadeia de TV nacional. Por isso, um dos maiores desafios do Brasil é dar apoio à disseminação de informações confiáveis sobre o virus para suas populações mais vulneráveis.
Grupos como a Frente de Mobilização da Maré, que representa o Complexo da Maré – um grupo de 16 favelas no Rio de Janeiro – trabalham para transmitir informações através de panfletos, murais e alto-falantes espalhados pelas favelas, para estimular as boas práticas de higiene e conscientizar as pessoas sobre o perigo da Covid-19. Além disso, eles supervisionam a distribuição de alimentos e doações de artigos de higiene, o que é especialmente importante, pois muitos moradores não têm recursos suficientes para se autoisolarem por um longo período de tempo. De acordo com uma pesquisa feita pelos Dados Favela, 72% dos residentes de favelas no Brasil ficam sem dinheiro com apenas uma semana de isolamento social.
Devido a outras pressões, o movimento dos fabricantes no Brasil enfrentou ainda mais desafios para crescer do que outros países que se beneficiavam pela capacidade de se desenvolver em uma infraestrutura já sólida.
Mesmo sem a forte coordenação nacional centralizada, dezenas de redes locais de fabricantes produziram EPIs em todo o Brasil desde março de 2020. Essas redes foram basicamente criadas a partir de universidades, bem como FabLabs e Makerspaces já existentes, coordenadas em nível regional através de grupos no WhatsApp.
Pessoas no departamento de design da PUC-Rio, lideradas pelo professor Jorge Lopes, que tem ampla experiência na área média, criaram uma rede entre universidades, federações da indústria e cidadãos. O principal objetivo dessa primeira rede foi desenvolver, avaliar, produzir e distribuir EPIs e dispositivos médicos para hospitais e instituições no Rio de Janeiro. Os projetos eram validados pelo Hospital da Universidade Federal.
Alguns produtos foram usados diretamente de sua fonte ou com poucas modificações, como as proteções faciais Prusa e swabs da FormLabs , enquanto outros precisaram de uma reformulação completa, como óculos de proteção (agora na biblioteca da OSMS), videolaringoscópios e máscaras rígidas em substituição à N95, em parte sob a liderança do Prof. João Azevedo. A universidade então convidou fabricantes locais a se unirem a seu laboratório através da iniciativa SOS3DCovid. Esse programa funcionou do dia 26 de março até 17 de julho, com produção total de 27.000 protetores faciais e 3.500 óculos de proteção.
Através da rede de fabricantes Olabi, a SOS3DCovid levou à criação da iniciativa Cuid4r, de Stephanie Kamarry, na outra ponta do país; eles usaram os arquivos de projeto da PUC e produziram 5.000 protetores faciais e máscaras CPAP.
Outra colaboração independente que ocorreu logo no início da pandemia foi a Atitude 3D. Iniciada em 25 de março, ela rapidamente reuniu voluntários em espaços de fabricantes e foi coordenada por WhatsApp. O esforço rendeu 37.000 protetores faciais; a maioria deles foi produzida em impressão 3D e alguns foram moldados por injeção.
Conforme esses grupos aumentaram ao longo dos meses e a comunicação entre organizações se ampliou através de grupos de WhatsApp, ficou claro que seria bom ter uma iniciativa nacional. Mesmo assim, as primeiras organizações se concentraram em resolver questões locais de EPI, e nenhuma assumiu a responsabilidade de unificar o movimento de fabricantes brasileiros com o objetivo de coordenar a distribuição em nível nacional.
A ProtegeBR, que é um movimento nacional brasileiro, foi criada por Gabriela Agustini e Silvana Bahia em sua organização Olabi, um espaço de fabricantes já existente no Rio de Janeiro, em maio de 2020.
A ProtegeBR começou informalmente como uma ação voluntária de membros do Olabi, em resposta a solicitações de fabricantes de diversas partes do países que começaram a pedir contato de agentes de saúde, arquivos de projeto, aberturas, contatos para doações, etc.
Como a organização social, que era ligada à rede global de FabLabs, já trabalhava desde 2014 com produção de tecnologia no país, muitos grupos os consultavam em busca de contatos, informações e conexões. Após um período informal com bons resultados, tais como fornecer doação de materiais para grupos de fabricantes e converter um pequena fábica de roupas para a produção de aventais para hospitais, a organização decidiu ampliar a operação e coordenar os esforços em nível nacional.
Google.org, que já era doador para a ONG, deu apoio à ideia de organizar informações, mapear e conectar as iniciativas em andamento e deu a Olabi uma verba para criar a Protege.BR.
A ProtegeBR é basicamente um sistema de monitoramente que ajuda a conectar pequenas redes de fabricantes em todo o país. Eles acompanham iniciativas e conectam pessoas com as redes já existentes em sua região, oferecendo recursos de código aberto para aqueles que querem se envolvem no movimento.
A ProtegeBR foi criada em maio e, desde então, tem mapeado/coordenado cerca de 250 iniciativas em todo o país e monitorado mais de 1 milhão de dispositivos fabricados até hoje.
Também foram mapeados 108 unidades públicas de atendimento à saúde em todo o Brasil e a PROTEGEBR também divulga aos fabricantes publicamente as informações de contato – e-mail, telefone, site e pessoa de contato.
Estrutura de gestão e reporte
A organização nacional é uma base de comunicação para que as pessoas vejam onde já foram lançadas iniciativas e em quais regiões faltam redes de espaço de fabricantes. Além disso, a organização estimula os membros a entrarem diretamente em contato com as unidades locais de atendimento à saúde para entender melhor suas necessidades específicas e a melhor forma de se envolver na causa. Diferentemente da CoronaVirusMakers (Espanha) ou da Makers vs. Virus (Alemanha), a ProtegeBR oferece as informações necessárias em nível nacional para pessoas que estejam buscando resolver problemas de EPI em sua região.
Para os fabricantes, a Protege oferece um mapa com contatos de 250 iniciativas de cidadãos brasileiros que trabalham na produção de materiais médicos nos 27 estados do país; ela organiza os contatos das secretarias estaduais de saúde dos 27 estados e das principais cidades; oferece informações verificadas e orientadas sobre a produção de EPIs e disponibiliza arquivos validades de projetos de código aberto de protetores faciais, óculos de proteção, ventiladores, alternativas para máscaras N95, caixas de intubação, máscaras, aventais e laringoscópios.
Usando a plataforma, a equipe por trás da ProtegeBr conecta projetos similares em reuniões semanais por Zoom e promove a cooperação entre eles; ela facilita as parcerias promovidas pelos membros mas não faz esse trabalho de “pareamento” ou de gestão direta da cadeia de fornecimento.
Gestão de dados
A ProtegeBR monitora os dados conforme vão sendo reportados pelas redes menores da iniciativa. No início, os únicos dados solicitados eram para protetores faciais; 119 de 250 grupos estavam produzindo protetores faciais e informavam esses dados à ProtegeBR. Até agora, já foram doados cerca de 950.000 protetores faciais pelas iniciativas associadas. Os dados são registrados e adicionados a um elegante mapa nacional com os números de produção localizados que permitem que as pessoas vejam onde estão as maiores concentrações de fabricantes. Atualmente, a iniciativa nacional está acompanhando os números totais de itens produzidos, bem como os de itens doados, com planos de expansão. Embora ainda não haja dados disponíveis com sua distribuição no tempo, a Protege está trabalhando com a integração de mais números locais detalhados que tenham referência de tempo, ou seja, para permitir o monitoramento do volume de produção ao longo do tempo, e também incluir outras categorias de materiais.
Políticas e fatores potencializadores
Desde o início da pandemia, o governo federal brasileiro não tem respondido às necessidades de seus cidadãos e fabricantes. As redes que foram criadas tem operado completamente isoladas de qualquer programa federal, mas estão trabalhando em colaboração com alguns governos regionais (ex.: colaboração do FabLab de Curitiba com o governo local, liderado por Auro Nakatani). Outra iniciativa digna de nota envolveu todo o estado do Maranhão, no nordeste do Brasil, que deu apoio aos fabricantes locais e os patrocinou.
Muitos produtores também receberam apoio de universidades públicas (tanto estaduais como federais) em termos de espaço de trabalho, financiamento, informações e maquinário.
Financiamento
Grande parte dos recursos financeiros foram levantados através de doações dos setores privado e corporativo que foram direcionadas a iniciativas locais específicas, as quais podem ser localizadas através da ProtegeBR.
Muitas iniciativas locais foram financiadas por governos locais (como citado, pela cidade de Curitiba e pelo estado do Maranhão), bem como por doações particulares e de empresas.
Para garantir que os fabricantes seriam capazes de contribuir nos esforços de combate ao vírus, o governo do Maranhão disponibilizou R$ 200.000 (duzentos mil reais, aproximadamente 37 mil dólares) no início da pandemia. Esse recurso está sendo usado para a compra de novas impressoras 3D, máquinas de corte a laser de alta produção e materiais, como acetato, filamentos e outros.
Links e Imprensa
- https://protegebr.org/
- https://mapafaceshields.herokuapp.com/
- https://www.un.org/en/coronavirus/brazil%E2%80%99s-favelas-organize-fight-covid-19
- https://www.olabi.org.br/
- https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Mobilization_Front_Mar%C3%A9
- https://www.bandab.com.br/cidades/fablab-de-curitiba-ganha-reforco-de-impressoras-3d-para-producao-de-mascaras-escudo/
- https://www.sos3dcovid19.com.br/
- https://www.instagram.com/cuid4r/
- http://www.atitude3d.com.br/
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