A OSMS estudou como as comunidades de fabricantes de diferentes países responderam individualmente à crise. Analisamos como elas resolveram problemas especificamente relacionados às suas características geográficas, de sua sociedade e outros fatores. Apresentamos as conclusões que resultaram dessa análise na forma de estudos de caso nacionais individuais, de forma gratuita, cuja precisão de dados foi analisada pelas respectivas comunidades nacionais de fabricantes. Esses estudos de casos servem como um guia para grupos de fabricantes em países que queiram criar ou melhorar sua coordenação em âmbito nacional.

Histórico

A Alemanha conta com uma população de 83 milhões de pessoas. Como em outros países, já havia um movimento de produtores com boa conexão na Alemanha, que aumentou exponencialmente sua resposta à COVID em localidades pequenas e grupos de Facebook. Por fim, foi capaz de coordenar, de maneira informal, a resposta para criar uma organização nacional.

No evento hackaton #WirVSVirus de 48 horas na Alemanha, no dia 20 de março, (iniciada por organizações independentes, depois ganhando suporte do governo alemão, com 28.000 participantes no país), muitas relações foram estabelecidas e houve um grande aumento na conscientização sobre a causa. Isso ajudou a alavancar o esforço nacional de fabricantes que já estava sendo desenvolvido a passos lentos desde que a COVID chegou à Alemanha, no final de janeiro de 2020.  Além disso, o hackathon contou com a presença de defensores animados e as startups alemãs.

Maker vs. Virus, o maior grupo no território alemão, foi concebido e criado por Kassel Makerspace Hammertime e Melania-Simona Moise no dia 24 de março de 2020, logo após um período de teste na #WirVSVirus. Já surgiu com um canal no Slack e uma missão.

Paralelamente, surgiram alguns grupos ad-hoc no Facebook, que discutiram respostas à COVID conforme ocorria a expansão do surto do vírus. Esses grupos permitiram que fabricantes e líderes pudessem compartilhar ideias entre si, incluindo Andreas Kopp, que fundou Erfindergarden em Munique, e Nils Hitze, organizador comunitário e idealizador do primeiro Maker Faire na Alemanha. Andreas fazia parte da rede FabLab na Alemanha e também da coalizão nacional de fabricantes do país, Verbund Offener Werkstaetten, (conectando cerca de 400 makerspaces alemães) o que possibilitou que ele e sua rede se organizassem rapidamente para passar a produzir EPIs.
Quando makerspaces independentes, como Erfindergarden, aumentaram sua produção, perceberam que o problema principal era a distribuição. Em algumas regiões, o abastecimento de lâminas transparentes de PETG para os visores de protetores faciais também se apresentou como um grande problema.

Assim como na Espanha, o movimento nacional surgiu, em certa medida, de forma orgânica, com diversas redes maiores de fabricantes em todo o país começando a se organizar de maneira informal para criar canais de produção mais eficientes. Naquele momento, a Alemanha teve a oportunidade de observar a resposta de outros países, como a do grupo Coronavirusmakers.org da Espanha. Com índices mais baixos de infecção e pouca pressão, os alemães puderam construir seu movimento, em parte, inspirados em outros países. 

As organizações por todo o país começaram a colaborar, o que facilitou a conexão com indústrias que poderiam oferecer materiais e ajudar na distribuição para locais em que havia maior demanda. A equipe idealizadora tinha como foco a fabricação, por isso a organização precisava de um organizador com muito tempo livre e ótimas habilidades de comunicação. Nils Hitze assumiu o papel de liderança na Maker vs. Virus naturalmente depois de postar milhares de mensagens de cunho organizacional no canal de Slack. Ele começou a entrar em contato com outros makerspaces e grupos de Facebook maiores para convidá-los a fazer parte do Maker vs. Virus, para que todos pudessem se juntar e criar um grupo unificado. Eles também organizaram centrais regionais sob a estrutura da Maker vs. Virus para países falantes de alemão, como partes da Áustria e da Suíça.

Inicialmente, a equipe Maker vs. Virus tentou criar uma organização nacional centralizada para ajudar a conectar todos os fabricantes, mas rapidamente percebeu que era um modelo muito atravancado. Perceberam que era necessário usar um modelo descentralizado, similar ao do Coronavirusmaker na Espanha.

Um elemento essencial para reunir diferentes organizações de fabricantes em uma única organização foi convidar os líderes de cada uma delas para o canal Slack principal da Maker vs. Virus, e convencê-los a se colocarem no grande mapa. Isso criou uma comunidade interna e os líderes estavam dispostos a juntar forças com a Maker vs. Virus. Materiais e suprimentos começaram a ser entregues ao makerspace em Munique, e deu-se início ao transporte, feito por voluntários, de máscaras prontas.

Um outro elemento crucial foi que a equipe Maker vs. Virus marcava pessoas nas publicações e mandava-as de volta para o canal Slack inicial. A equipe também chamou Alexander Klarmann para participar das atividades, um especialista em Relações Públicas e com histórico de envolvimento no movimento de fabricantes. Juntamente com Nils Hitze, ele idealizou o primeiro festival de fabricantes da Alemanha em Munique. O caminho dos dois se cruzou novamente, por coincidência, quando os dois se tornaram líderes na equipe central de organização da Maker vs. Virus. Klarmann entrou em contato com inúmeros jornalistas, criou um pacote de imprensa adequado, que incluía uma página de imprensa e um Google Drive com o kit de imprensa. Esse trabalho concentrado deu à Maker vs. Virus a maior projeção de relações públicas que o meio de fabricantes do país já teve, em âmbito nacional e internacional, gerando uma conscientização ampla no país, levando a maioria dos pedidos médicos para a Maker vs. Virus, e não para outros grupos nacionais. O número de artigos on-line e em mídia impressa, notícias na rádio e na TV ultrapassou 340 em menos de 3 meses. 

Eles criaram um sistema no qual makerspaces maiores eram responsáveis por uma central de coordenação regional em sua região e começaram a gerir a organização e logística local de produção de suprimentos necessários. Em junho de 2020, havia 154 centrais de fabricantes listados no site da Maker vs. Virus. 

A maior parte da produção e organização foi conduzida de forma regional e não nacional. Ainda que a Maker vs. Virus seja, tecnicamente, uma organização nacional, ela apenas ajudou a organizar e conectar as diversas estruturas regionais de fabricantes que já existiam na Alemanha. Mas osalemães criaram o modelo regional de centrais de fabricantes “Maker Hub”.

Uma melhoria significativa que o modelo de centrais trouxe, quando comparado ao ecossistema anterior, é que ele mobilizou e empoderou fabricantes e proprietários de impressoras 3D que estavam fora do ecossistema clássico do makerspace/Fablab. Muitos deles não faziam parte da “comunidade” antes disso. Foram esforços de crowdsourcing reais, com indivíduos se reunindo ao redor de suas centrais regionais, que conduziram seus trabalhos de organização. Muitos desses fabricantes particulares se sentiram motivados a participar de ou a começar seus próprios makerspaces e alianças para além da resposta ao COVID-19 graças às experiências que tiveram.

Em paralelo à Maker vs. Virus, outras organizações menores mantiveram relativa independência. Uma delas foi a Vechta Gegen Corona, criada por Dominik Wilming. A princípio, eles fabricavam protetores faciais com impressoras 3D, mas, por fim, conseguiram usar seus contatos na indústria e passaram a produzir por meio da moldagem por injeção, chegando a mais de 3.500 protetores faciais por dia. 

Maker vs. Virus conseguiu ajudá-los a melhorar a distribuição e a conectá-los com pessoas que mais precisavam dos protetores faciais. Vechta Gegen Corona é formada por 10 empresas/organizações e dezenas de fabricantes privados que cooperam em nível regional.

Juntamente com os trabalhos de produção de protetores faciais, também houve muitos grupos de fabricação de máscaras na Alemanha. Eles já eram muito bem organizados e relacionados antes do início da COVID. Por isso, trabalharam de forma independente.

Estrutura de gestão e relatórios

Maker vs. Virus serve como um modelo informal para diversas sub-redes por toda a Alemanha. Por meio do site, fabricantes podem ser conectados com centrais regionais, que podem então ajudar esses fabricantes a se organizarem e a se encaixarem na cadeia de fornecimento para uma região em particular.

Cada central regional, são 180 ao todo pelo país, pratica a autogestão e se ajusta com base nas demandas de sua região. A coalizão é composta por fabricantes individuais, redes da FabLab e cerca de 10 empresas diferentes que tem contribuído na fabricação com a moldagem por injeção, para assim acelerar a produção.

Maker vs. Virus tinha a maior visibilidade entre todos os grupos que apareceram e contava com indivíduos que podiam se focar apenas na organização e não na fabricação (como Nils Hitze, que ficou com a liderança do grupo). Isso permitiu que houvesse um desenvolvimento mais aprofundado da infraestrutura dentro da organização ad-hoc, que serviu de base para uma estrutura de gestão e comunicação de dados, e ainda incentivou outros grupos a se juntar a eles.

Muitas das centrais maiores que surgiram agora passaram, quase que por completo, para uma produção de moldagem por injeção, reservando as impressoras 3D para pesquisa e desenvolvimento de EPI.

A maior parte da distribuição é feita por meio de redes de voluntários, trabalhando junto com organizações, como a Cruz Vermelha alemã, que vêm ajudando no transporte de suprimentos para as centrais e locais necessários.

A Maker vs. Virus ajuda na organização das centrais para que elas possam ser contatadas e se unamr de forma informal para organizar quaisquer ações nacionais necessárias.  Cada central tem um ponto de contato específico que é responsável pelos fabricantes da região e por ajudar na organização dos esforços.

A função da estrutura nacional é otimizar a linha de produção e fornecimento para que os fabricantes possam ter um contato direto com indivíduos, empresas, materiais e instituições de saúde que mais precisam dos protetores faciais.

Diversos projetos tentaram criar uma ferramenta que possibilitasse a correspondência entre demanda e fornecimento, mas o desenvolvimento foi vagaroso demais. Por isso, a equipe passou a usar o Trello e o Google Sheets para monitorar pedidos e entregas.

Cada uma das centrais contava com um organizador e um substituto. O grupo usava um canal no Slack, privado para a liderança. Algumas das pessoas precisaram de treinamento, já que nunca haviam participado de um processo de organização. Por isso, havia a necessidade de monitoramento, já que muitos chegavam com muita energia, mas sem necessariamente ter uma experiência em organização, o que tornava o bom relacionamento da equipe um desafio. Com o passar do tempo, muitos dos organizadores de primeira viagem apresentaram um crescimento pessoal. Assim, a organização começou a operar melhor.

A comunicação é feita, principalmente por meio do Slack; e a disseminação de informações para a comunidade foi feita na maioria das vezes pelo Facebook. Com o amadurecimento do movimento, essa disseminação de informação passou a ocorrer por meio de artigos e de cobertura jornalística, como modo de aumentar a conscientização da população. Usou-se ainda os classificados do Ebay e de outros sites.

Gestão de dados

A Maker vs. Virus mantém um registro das diversas centrais em toda a Alemanha, além de uma estrutura informal de relatórios de dados, em planilhas, listando quantos EPIs estão sendo produzidos nas centrais. No entanto, esses relatórios não são implementados com muito rigor. Por isso, os dados são, em certa medida, incompletos e apenas monitoram a rede de forma interna.

A planilha foi elaborada, primordialmente, para se ter um entendimento da capacidade de produção diária no auge da crise, mas não foi mantida por muito tempo, já que coletar informações dos fabricantes demandava muito trabalho manual. Serviu mais como um recorte de um momento específico do que um monitoramento a longo prazo de esforços feitos.

Há um mapa que destaca as diversas centrais por toda a Alemanha, mas nele não se detalha o montante de EPI fabricado em cada central. Outras organizações menores, como a Vechta Gegen Corona, fazem um monitoramento de dados aproximados sobre o volume acumulativo de equipamentos produzidos em sua organização.

Políticas e fatores potencializadores

Em grande parte, não houve muita ação por parte do governo alemão para ajudar movimentos de fabricantes. Um dos fabricantes, Anke Domscheit-Berg, membro do parlamento, comentou que os governos federas e até mesmo locais fizeram pouco para ajudar com financiamento e suprimentos. Em algumas cidades e governos, no entanto, as autoridades locais ofereceram apoio financeiro ou ajuda na organização e na distribuição de EPI.

As autoridades de transporte público e outras organizações de infraestrutura local entraram em contato para realizar pedidos, e era comum a colaboração com fabricantes. A organização Maker vs. Virus. também trabalhou com empresas de moldagem por injeção para ajudá-los a escolher os modelos certos.

Financiamento

Para receber suporte, o movimento encontrou muitos aliados na indústria que investiram uma quantidade grande de dinheiro na fabricação de EPI. Em muitos casos, a típica “Mittelstand” alemã (empresas de médio porte) não demoraram para dar apoio à fabricação de películas para visores de protetores faciais e peças feitas por moldagem por injeção. Além disso, o movimento vem recebendo o financiamento de organizações como a Cruz Vermelha alemã, que ajudou a estabelecer linhas de fornecimento.

A maior parte do dinheiro recebido pela organização nacional Maker vs. Virus é doada de forma particular por indivíduos e empresas. Doações para a Maker vs. Virus foram todas recebidas pela instituição sem fins lucrativos Verbund Offener Werkstaetten, sendo enviadas para as oficinas que fabricam EPI dentro da rede, para que possam comprar suprimentos e pagar pelo transporte dos itens produzidos. A Verbund serviu como uma estrutura de patrocínio fiscal, sem fins lucrativos, para a Maker vs. Virus, o que permitiu doações imediatas. A criação de uma ONG própria teria atrasado demais o início das operações. 

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